domingo, 19 de agosto de 2007

Desmemórias- capítulo 02

Ele acordou com a claridade invadindo o quarto, como se gritasse para ele que já era hora de se levantar. Sabia que era sábado, mas não conseguia lembrar como terminou a noite. Olhou para o lado e se lembrou. Dormira com uma amiga, com quem saía ocasionalmente. Ambos no auge da juventude e forma física, lá pelos vinte e cinco anos. Ele morava sozinho há pouco mais de 1 ano, e nesse tempo aprendera a se virar. Mas não era só pela companhia que saía com a amiga. Vez ou outra, quando ele não tinha muito o que fazer no fim de semana, além do trabalho que sempre restava, ele a chamava, pois era inevitável que ela viesse e não visse algo que faltava arrumar ou limpar em seu apartamento. Era cômodo, ela sabia, ele sabia, mas não falavam a respeito. Era mecânico.
Se por um lado a falta de sentimento de ambos era motivo de desconfiança entre seus amigos, ele dava de ombros. Sabia que, ainda mais quando tinha que se virar por conta própria, um relacionamento se divida em muitos outros fatores do que simplesmente os sentimentos. Mas, para todos os efeitos, eles não estavam namorando. Era algo para apenas quando não tivessem melhor companhia, se davam bem, riam juntos assistindo a um filme ou dançando num clube e não passava disso.
E ele não deixaria passar. A comodidade era confortante. O trabalho exaustivo de segunda a sexta chegava a deixá-lo sem vontade de aproveitar o fim de semana, portanto ter alguém por algumas horas ao seu lado, e sem cobranças, era algo perfeito para ele.
Quando juntos, não conversavam muito a respeito de seus passados afetivos. Até se desinteressavam sobre o assunto, tanto que não sabiam quase nada a respeito um do outro. Acordo feito ainda quando eram simples amigos, a custo de algumas bebedeiras juntos e um passo dado por ele, aproveitando-se da desculpa do álcool para dar o bote. E a falta de conhecimento sobre o outro é que mantinha o barco navegando, pois trazia a curiosidade de perguntar algo como pretexto para se verem, e quando se encontravam deixavam de lado esses assuntos tediosos para apenas se divertir, em todos os sentidos.

Ele fez o café e tomou sozinho, não queria e nem podia acordá-la, pois seu mal-humor matinal era ainda mais latente quando combinado com bebida na noite anterior...
Deixou a louça automaticamente na pia para que ela lavasse, não por egoísmo, mas por ser um gesto corriqueiro. Foi varrer e tirar pó de alguma coisa, ligando baixo o som na saleta, pegando mais um pouco de café e combinando a tentativa de limpeza com seu hábito de pegar a câmera fotográfica e procurar pela janela algo que lhe interessasse captar.
O som do obturador funcionava como seus olhos, que captavam vontades e sentimentos dos outros como poucas pessoas conseguiam. E, claro, volta e meia os usava a seu favor, como um vendedor persuasivo.
O relógio da saleta marcava 11:30. Queria ter dormido mais, porém não se lembrava a que horas de fato ele teria deitado. Pensou olhando para baixo na pequena sacada que ela teria dirigido depois de beber mais uma vez, mesmo com sua repreensão. Ele não tinha carro, ainda não pensava em ter um, e sempre que saíam deixava a tarefa pra ela, que ainda não tinha aprendido seu limite de tolerância ao álcool. Já fizera muito em largar o cigarro a seu pedido, pois detestava o cheiro que ficava no apartamento. Pesava os prós e os contras dessa 'relação', e antes mesmo de chegar a uma conclusão esquecia do assunto e resmungava sem perceber algumas palavras que sentenciavam os pensamentos.

Ao ouvi-la levantando e indo ao banheiro, aumentou um pouco o som, esquentou um pouco mais o café e encontrou-a ali mesmo no corredor. Com um beijo e uma leve prensa na parede lhe disse 'boa tarde, bela adormecida'. Ela o beliscou, retribuindo o beijo, e lhe respondeu que tentava criar coragem para sair da cama. Seguiu para a cozinha e ele deu um leve tapa no bumbum, só para ouvir de resposta o 'danado!' que ela soltava com um misto de voz rouca e um pouco de ressaca, uma combinação viciante.

Nenhum comentário: