quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Desmemórias- capítulo ?

O apartamento tinha as luzes apagadas. Ele tentava não fazer barulho, mas lhe incomodava um pouco o fato de não poder se sentir a vontade. Tinha visita no quarto extra. Lhe parecia confuso quem estava lá, se um parente ou alguma outra pessoa. Os dias passavam confusos a ele.
Achando que nada que fizesse acordaria o [a] hóspede, abriu a cortina da sala. Olhou pro céu negro-azulado. Um imenso relógio digital no topo de um prédio ali perto marcava 04:00hs.
Ficou alguns segundos calado em seus pensamentos, avaliando aquelas luzes que jamais paravam de piscar. Ele mal dormira, e nem mesmo o fato de ter alguém no apartamento lhe impediu de dar uma das costumeiras voltas pela rua quando o sono não lhe encontrava.
A vontade na rua que já apresentava certo movimento [ou ainda apresentava movimento], ele andou alguns metros até a padaria da esquina.
24 horas. Ele lia o letreiro de neon, e tinha impressões retrô do que seria aquele lugar 30, 40 anos antes. Gostava de parar pra pensar em coisas tolas, que outras pessoas ignoram. Pediu, como sempre, a maior das xícaras com um forte café, acompanhado de conhaque. Se aquilo lhe dava disposição para o dia era um mínimo detalhe, o fazia porque gostava, talvez por vício, talvez por não ter nada mais a fazer num horário insólito como aquele.
Ao menos lhe ajudava a cobrar consciência, e ele começava a lembrar mais claramente do que vinha acontecendo. E se arrependeu, culpou o café, falou meia dúzia de palavrões pra si mesmo, ou então para os arruaceiros que passavam ali por perto, talvez.
- Conhaque vagabundo -murmurou, mas pediu uma dose a parte.

Sabia que uma dose de realidade, ainda que às quatro da manhã, é necessária para alguém que foge dela durante o dia.

E lembrou então de que dia era. Sexta-feira. Tinha um 'importante jantar' com a mãe da sua 'amiga'. Ele relutou o quanto pôde, mas como ela deixou escapar algo pra mãe sobre um rapaz com o qual estava saindo, não houve jeito.
Ela, separada de seu pai, já achou por ser um namoro sério, quis conhecer o tal rapaz, estava ansiosa pelo dia do tal jantar. Talvez desejasse com tamanha intensidade para a filha um relacionamento seguro que não se deu conta de que a própria filha não admitiu ser um relacionamento.
A noite cheirava a desastre, ele sabia disso, e seu dia já começava mal.
O café e o conhaque desciam queimando. Decidiu voltar, caso a visita acordasse, e já era mesmo hora de tentar algumas horas de sono.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Sobre estufa, carnaval e hipocrisia

[Já faz tempo que não critico algo...]


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Tenho no computador, bem separado como não pode deixar de ser para alguém metódico, matérias jornalísticas 'diversas'. Entre aspas porque a maioria delas é sobre um único tema: aquecimento global. Não sei porque ao certo, mesmo porque acho que não precisa de explicação.
Desde o nível de gelo na Groenlândia [que atualmente quase ninguém sabe onde fica] ao impacto da navegação nos oceanos, enfim, um material sempre crescente.
Talvez para alguém pouco observador os detalhes não sejam notados, mas está cada vez mais fácil: as tempestades de verão cada vez mais terríveis, as enchentes mais desastrosas, o granizo maior e mais pesado [e isso falando só de São Paulo, pois as conseqüências climáticas estão por todo lugar]. Nada disso acontecia até alguns anos atrás, ou até acontecia, mas não com tal fúria. É só ver a incidência de ciclones no sul do Brasil e a ressaca cada vez maior no sul e sudeste. E também o fato de várias baleias encalharem nas praias Brasileiras.
Tudo isso vem do aquecimento. Mas continuamos ignorando...
Quando uma tempestade cai, destrói barracos, inunda casas e causa inúmeras perdas, qual é nossa primeira reação? "Ahh, São Pedro exagerou!"
Estamos perdendo tempo demais com o plimplim e esquecendo do que realmente importa... Daqui cinqüenta anos não teremos mais um planeta 'harmônico' como é hoje. E infelizmente já temos que usar aspas.
Hoje no mundo globalizado das 'Nações Unidas' toda negociação é realizada a duras penas e com muita discussão, o que leva anos. É só ver o Protocolo de Kyoto e a Rodada de Doha. Quantos anos discutindo tratados que nascem com prazo de validade e quando entram em vigor já estão pela metade!
Se barganha tanto pela redução da redução de índices que tudo vira uma grande palhaçada. São os responsáveis pelas relações exteriores dos países que mais causam e mais sofrem com as conseqüências que estão reclamando uma revisão de meta aqui e ali, pois isso 'prejudica o crescimento do país'. São algumas dezenas de diplomatas enfadonhos com o fato de terem que estar ali que estão protelando mais e mais as curas para o planeta. Devem achar que há bastante tempo para salvá-lo [talvez eles sejam apenas 'grandes otimistas']!
Ou hipócritas, o que parece mais cabível. Como se fosse possível escolher 'salvar um pouco e consumir um pouco', em detrimento de encarar a realidade, diminuir emissões, quebrar barreiras protecionistas e perdoar dívidas de países miseráveis. E ainda são capazes de dizer que tudo isso é demagogia, impossível de se realizar.
Dei-me conta de que não só as cidades, os estados, o país está na mão de pessoas pouco preocupadas em mantê-lo, achando que será sempre renovável. Mas não, o mundo todo está, na realidade. Começo a descrer perigosamente na ONU, que foi idealizada pelos EUA, é verdade, mas sempre procurou ser correta. Estão todos emperrados sem saber como avançar um passo sem retroceder dois. E lá estão algumas das mentes mais inteligentes de cada país, o que torna mais incrível o atraso mundial em relação aos próprios recursos.
Apenas para quem está muito fora de órbita, preocupado com o Big Brother [não o de George Orwell] não liga para isso. E pior, esses são a maioria.
Aliás, sem saber dos números é certo falar que quase todo mundo que você perguntar nem faça idéia de quem é Orwell. E a tendência é só piorar, se quiser encarar a realidade.
Mas voltando para a hipocrisia. Sim, hoje é ela que governa a ONU, o Brasil, os estados e por aí vai. Aliás ela não é exclusiva dos três poderes. Em todos os setores da Economia e camadas da Sociedade ela está lá, enrustida nas palavras e ações de cada um, mas vem à tona facilmente numa simples conversa.
E claro, o Brasil também é o país do Carnaval. Mas está sendo dominado pela hipocrisia também. Cada vez mais difícil de notar as belezas de alegorias e adereços que só o Brasil é capaz de produzir, porque por trás disso há um negócio milionário. Sim, negócio e milionário, tendo em vista as cifras de patrocínio de escolas e valores de transmissão e intervalos comerciais. Alguma empresa investir em determinada escola nem é condenável, dependendo do caso, agora o perigo está se espalhando...
Uns anos atrás uma escola do Rio teve o patrocínio de ninguém menos que a estatal brasileira do petróleo, para mostrar na avenida um enredo sobre nada menos que... Energia!
O resultado desastroso na apuração talvez tenha sido um alento para nós que reparamos nessas faltas de senso.
Mas esse ano a coisa foi elevada a outro nível. A prefeitura [?!] de Recife doou alguns milhões para essa mesma escola falar sobre... Recife e o frevo!
Enquanto as próprias escolas de samba de Recife receberam algo próximo de 20 mil reais cada, menos ou mais.
Mas claro, o carnaval do Rio é visto pelo mundo todo, é justificável...
E outra escola, aliás, a atual campeã, e que tem faturado tudo nos últimos anos com ajudas no mínimo questionáveis de patrocínio venceu esse ano falando sobre outra cidade... A longínqua Macapá, que para quem é do eixo centro-sul é um grande mistério, assim como os outros estados do norte e até mesmo alguns do nordeste [já que para a imprensa daqui costuma considerar que o Brasil é aqui e apenas aqui].
E falaram de Macapá porque querem mostrá-la para o Brasil e/ou o mundo?
Alguns, até quero crer, talvez sim. Mas não quem idealiza o show. A hipocrisia está aí de novo, mostrar preocupação com pessoas que vivem dentro do nosso próprio país e que por falta de espaço não podem mostrar as belezas e costumes de sua terra. Na teoria é tudo muito singelo, mas francamente, vindo de onde vem não há como concluir outra coisa.
E esses mil e um pensamentos lhe passam pela cabeça quando você tenta se concentrar no que as escolas estão mostrando de bom na avenida, porque de fato ainda há muitas coisas boas, graças a Deus e aos carnavalescos humildes e sem mania de querer conquistar o mundo!
E uma pessoa que não consegue simplesmente organizar os pensamentos e tem comichões para colocar tudo no papel tem que se perguntar... "Eu sou crítico demais ou isso é muito descarado?". Não há como fechar os pensamentos afirmando que o Brasil é o país da hipocrisia institucionalizada.
Mas 'felizmente' [utilizada nessa frase com o sentido mais bizarro que já vi] não é privilégio nosso. A ONU está aí para não nos deixar esquecer.
Quem sabe se minha carreira de cineasta vingar eu ainda farei um filme sobre um planeta com recursos abundantes, avançado em tecnologia e em material humano e que sabe cuidar muito bem do que sua natureza lhe oferece resolve fazer expedições para tentar descobrir outros planetas com vida semelhante, 'inteligente', e aportem na Terra...
Bem, se é que o Kubrick ainda não fez isso. Mas é assunto pra outras estórias...