sábado, 21 de junho de 2008

Desmemórias- capítulo último

A dúvida em sua cabeça era se ele seguiria lembrando desses momentos, um turbilhão deles, pelo resto de sua vida. Queria colocar o ponto final, porém se sentia perdido para isso. Chegara a um ponto chave: ou avançava ou ficaria -eternamente- parado.

Da janela cinzenta do apartamento o olhar se perdia em algum ponto qualquer. Lembrava de quando o namoro se tornou ‘oficial’.


Com um casal de amigos, desciam os quatro para a praia, o apartamento dos pais de um deles a muito custo e promessas de bom comportamento fora liberada. Então, apesar do clima de festa dentro do carro ele o guiava com a seriedade de um motorista profissional.

Chegaram ao final da tarde de uma sexta-feira, ainda aproveitando a hora boa do sol. Mal deixaram as coisas no apê e já seguiram eufóricos para a orla.

O outro casal, já devidamente assumido e notavelmente mais ‘entrosado’ dava a eles a sugestão que ambos tinham em mente, e parecia que o momento se aproximava cada vez mais.

Achado o lugar ideal na areia, ele não pôde deixar de notar o interesse do salva-vidas em final de turno na sua... ficante. Eles eram isso, ainda recém-saídos do colégio, nada assumido. Encheu-se de coragem e juntou-se às duas garotas, que passeavam pela areia, recusando com muito custo as investidas masculinas. Ao alcançá-las, pediu a amiga para falar com ela ‘a sós’, e cobrou-lhe:


- O que você tava falando com aquele salva-vidas bombadão?

- Eu não tava falando, ele é que veio com conversa... Mas por que a pergunta?

- Nada... Acho que tenho o direito de saber ?

- Ah tem?.. Interessante você... [com um leve tom de ironia]

E pegando na mão dela continuou:

- Ta na hora ?

- Na hora?.. É, acho que sim - e ela respondeu-lhe olhando nos olhos-.

- Vamos namorar de vez e chega de enrolação!

Em resposta, ela não concordou, não negou, não insinuou nada, como de costume. Apenas lhe disse:

- Eu falei pro bombadão que eu tinha namorado e que não ia demorar pra ele vir atrás de mim...


E de nem tão longe assim a amiga correu e rapidamente chegou para abraçar os dois e jogá-los na areia. “Agora vão tomar um banho de mar juntos, namoradinhos!” acrescentou.


O resto do final de semana, ainda que desnecessário dizer, mas ele lembrava de cada detalhe, fora mágico.




/===/


Com o carro emprestado [daquele mesmo amigo paciente], ele chegara a um cemitério. Caminhando passos que pareciam demorar anos chegou ao túmulo dela. Parou, em pé, imóvel e ali ficou por alguns trinta segundos. Olhou a mão tremer ao tirar do bolso da calça um papel com algumas frases escritas numa letra de mão bagunçada e tão itálica que só poderia ter sido escrita deitado.

Olhou o papel e olhou o túmulo. Amassou-o e devolveu ao bolso, e com uma altivez e paciência impressionante começou a falar, pausando e olhando em volta vez ou outra, mas seguindo:


- A gente discutia o ‘pra sempre’ e o ‘amor eterno’. Tivemos umas boas até... Eu não concordava com você que tudo era pra sempre e você desgostava do meu pessimismo - ou realismo.

Você se foi sem estarmos juntos e já passei alguns anos me perguntando, me remoendo, tentando acreditar que seria possível fazer diferente. Hoje eu acredito... Ou melhor, quero acreditar que tinha que ser assim, mesmo sem jamais entender por que e ainda ficar mais pessimista sem esse alguém pra discutir o que nunca terá uma verdade definitiva.

- Espero que o que você sentia naquela hora tenha mudado. Ficamos juntos por quase três anos, acho que ao colocar na balança também pra você o lado positivo vai ser maior.

E eu digo isso agora porque sei que você jamais deixaria de se interessar ou se preocupar comigo: eu ainda estou aqui. Levanto, caio, levanto, caio e levanto. Acho que precisava conversar com você, ou com alguém mais, ou até comigo mesmo. Não tenho feito isso ultimamente, se você notou... Por isso vou começar sendo sincero comigo mesmo.

- Se você já está curada aí... Se aquilo que você tentava me fazer entender está aí, então vem me dizer que você ta bem... Vem me dizer que ainda vale a pena estar aqui...

Eu dava aquele riso irônico ao ouvir você falar de ‘destino’. Não sei se estou perto de entender agora, mas acho que eu avaliei pelo lado errado: não se pode pensar que está tudo definido, que estamos aqui com nossa vida toda traçada. Se eu ainda to no meu juízo perfeito significa que cabe a mim escolher meu rumo e seguir da melhor maneira possível. É o que pretendo fazer daqui em diante. Se eu disser que vou te deixar de lado estarei mentindo feio, não vou. Mas pra merecer isso que você dizia existir ‘depois que a gente morre’ eu vou tentar andar com as minhas próprias pernas.

Mas por favor, não deixa eu me perder...

Agachou para olhar a lápide. Tirou do bolso o papel amassado e tentou fazê-lo voltar à forma original. Deixou assim mesmo ao lado das flores que deixou no túmulo.

Levantou-se, calado e assim seguiu. Apenas olhou tudo, uma despedida talvez, um até breve.




/===/


Desceu novamente à praia. Se prometia ser a última vez que deixava tais lembranças o guiarem. Lá chegando parou o carro perto da praia, vazia no inverno e com ressaca.

Sentou numa pequena duna que ia se suavizando até se juntar à areia da praia, de calça e blusa e ficou ali, olhando o céu cinza, lembrando das ‘lições de moral’ dela, das palavras bonitas, do sorriso.


“Pra você encontrar algo bonito mesmo que seja no caos é só fechar os olhos, pensar em algo que goste e abrir de novo pensando nisso.”


“É só querer ver que sempre tem algo além do que a gente enxerga.”


“Sempre ainda terá algo por fazer ou alguém pra encontrar, não importa o que aconteça.”


E pensando nisso tudo, olhando a linha do horizonte ele procurava pelo céu azul e o sol, que não muito distante, sobre o mar, estava brilhando.


FIM








Para D.

Porque esteja onde estiver eu sei que você sempre vai me empurrar pra frente...