domingo, 25 de maio de 2008

alvorece/alvoroço

Da noite pro dia tudo muda
Ao pôr do sol a luz se esvai
Entra em seu lugar o que é artificial
Mero contraste com as pessoas
Mais felizes e verdadeiras, as que dela gostam
Ou cansadas -porém honestas- as que gostam do dia

A noite pertence às sombras
O dia aos reflexos

Sombras ou silhuetas nas ruas
As mal-iluminadas ou as que, mesmo com a luz
Se tornam assim porque o que é artificial
Se dispersa, é da sua natureza

Os reflexos do dia espalhados
Nos vidros, nas vitrines, nos óculos escuros
Barreira segura para os que gostam de olhar
Ou até analisar friamente a outros
Olhos que espiam ou as pernas que desfilam

Mas da noite pro dia tudo muda
Os postes e faróis criam o ambiente perfeito
Nos fazem observar outros detalhes
E quando é novamente dia
As percepções estão trocadas
E o que era luz não necessariamente é mais

À noite pertencem os reflexos
E o dia revela as sombras

Reflexos turvos provocados pela garoa noturna
A beleza desfila com mais provocação
Pouco importa que demore a se chegar a algum lugar
Se há boa companhia tudo é muito mais belo

E ao dia restam as sombras das ruas
Pernas apressadas no sol do meio-dia
Óculos presos aos cabelos
Sombras impressas por todo lugar

A vida que não pára
E continua a se transformar
A beleza está em tudo a toda hora
O segredo é saber aonde olhar

sábado, 3 de maio de 2008

Desmemórias- capítulo penúltimo

O relacionamento já não era o mesmo. Após um ano com ambos fazendo cursinho, se vendo diariamente, as discussões iam aparecendo –mesmo para um casal equilibrado e que se dava bem.
O fim do ano se aproximava, e era hora das incertezas de ambos darem lugar a definições. Ela já escolhera seu caminho: iria para o interior. E sabia que para isso teria que dar um tempo –tanto nas brigas quanto no próprio relacionamento- porque durante alguns meses não poderiam se ver. Pensava ela talvez ser melhor assim, se o relacionamento fosse forte o bastante esse tempo apaziguaria as diferenças.
Pensava ela.

Então quando contou a ele a reação não foi a esperada; Ele argumentou, disse que ela era precipitada, que não daria certo, por fim perguntou da relação...
E ela lhe sentenciou com um ‘dar um tempo’.
A ele coube deixá-la falando sozinha, pediu pra o esquecer, a raiva e a mágoa o dominavam. Ela pensou em ir atrás, mas o deixou. Naquela noite não voltaram juntos, ele arrumou uma desculpa.

Passaram poucos meses e ambos entraram na faculdade. Ele em São Paulo, ela iria de fato embora. Mal se falavam, apenas buscavam os amigos para se evitarem, mas ela quis, na véspera, falar com ele. Apenas lhe desejou boa viagem com um tom de indiferença. Ela sentiu por isso, mas seus objetivos eram claros, e ainda acreditava que a mágoa dele passaria com o tempo.
No dia seguinte, já com algumas roupas e pequenas mobílias para o apartamento alugado, ela seguiu para a viagem de algumas boas horas com uma amiga de colégio, que moraria e estudaria com ela. Após uma parada pra abastecer e esticar as pernas, lá pelo meio do caminho, elas tomam um café e conversam sobre o que deixaram para trás.
Ao ter que consolar a tristeza da amiga por sair da asa dos pais, bateu nela mesma uma certa tristeza que tinha nome, passado e –como um dia imaginou- futuro. Quis tentar diminuir a apatia da amiga contando das suas perdas, enxugaram as pequenas lágrimas, se recompuseram e tocaram em frente.
Perto de chegarem ao destino, exaurindo o toca cds com suas várias músicas prediletas, caia a noite e elas entravam numa perigosa estrada de mão-dupla, e a neblina completava os fatores de risco.
A amiga, em tom fúnebre, dizia que tinha algo importante para contar e que tinha que ser naquela hora. Ela olhou para a passageira e lhe disse para continuar. “Fiquei com ele”, sentenciou baixando a cabeça.
“Quê?!”, com uma freada brusca e levando o carro para o acostamento ela respondeu.
“Foi uma semana depois que vocês terminaram, numa balada... Ele bebeu, eu bebi... Desculpa amiga.”
Ela engoliu a raiva e mentalizou para descontar nele. “Esquece!”, nervosa e reticente ela botou fim à conversa e seguiu acelerando.
A amiga pedia para ela reduzir quando seu celular piscou, e então pediu a passageira para olhar a mensagem que chegava. “É dele”, disse. “Lê pra mim”, respondeu.

“Preciso te contar algo, fiz besteira... Sei que você não quer conversa mas me liga, beijos.”

E então tudo ao seu redor estava em câmera lenta. Não ouvia a amiga pedir para diminuir, não via a estrada nem os carros. Pensava em um milhão de coisas, se culpava, o culpava...
Não havia tempo nem era o lugar para tantos pensamentos. Jogou sem perceber o que fazia a direção do carro para o sentido oposto. Sua amiga gritava e a ela aquilo lhe parecia um pesadelo do qual não se consegue acordar. A amiga tirou o próprio cinto por reflexo e colocou o próprio pé no pedal do freio. Um carro no sentido contrário conseguiu jogar para o pequeno acostamento. Elas não.

O carro triscou no outro e capotou. A amiga imediatamente fôra arremessada do carro. Ela deitada no asfalto, com o celular na mão, só pôde ver uma última noite estrelada, e cerrou os olhos.