domingo, 27 de setembro de 2009

Desmemórias- capítulo 08

- E agora, pra onde? –perguntou ele-

- É o seguinte, agora posso te explicar, e se você não aceitar os termos podemos nos despedir agora mesmo... –respondeu a garota demonstrando uma autoconfiança que beirava a arrogância-

- Eu estou de acordo, acho tudo isso muito estranho, mas vamos lá...

- Então. Nós vamos dar algumas voltas na avenida. Quantas voltas e o que a gente vai fazer por aqui só depende da vontade de nós dois. Se até meia-noite nossos gostos não combinarem ou na pior das hipóteses, um de nós não quiser mais ver a cara do outro, viramos as costas e eu pego um metrô pra ir embora. Combinados?

- Meia-noite? Tudo isso?.. –disse ele claramente provocando-a –

- Isso mesmo, topas ou não?

- Garota, você está prestes a passar às quatro horas mais longas da tua vida...

Claramente os dois gostavam de se provocar, desde o princípio, quando foi marcado o encontro duplo ao telefone. Havia uma tensão no ar que só aumentava com as constantes piadas em relação um ao outro, e até aquele momento ambos pareciam não ter uma opinião definida sobre o outro.

Começaram o passeio partindo do meio da avenida até o início. Passaram em frente a alguns barzinhos, botecos com cadeiras na rua, pessoas bebendo e fumando do lado de fora. Ele comentou algo irônico a respeito da lei, dando graças a Deus pela mesma, no que ela retrucou-lhe irritada, dizendo que era absurdo, inconstitucional e outras coisas do tipo. “Você fuma?”, perguntou ele, já prevendo pontuação recorde negativa para ela em caso de afirmação. “Não, mas constitucionalmente eu tenho o direito de fumar aonde eu quiser, se eu quiser!”. Ele riu como se não acreditasse no que havia ouvido. “Você é uma figurinha mesmo garota!”, evitando sempre dizer o nome dela.

Passaram por uma banca ainda aberta, ela entrou sem se importar se ele viria atrás. Comprou uma revista de ciência e outra de palavras-cruzadas. “Pra que isso?”, perguntou ele. “Se ficar muito chato falar com você eu tenho algo pra fazer!”. Ele não ficava mais irritado com as tiradas dela, apenas ria ironicamente de volta. Quem os visse naquele momento não saberia dizer se eram namorados ou ex-namorados acorrentados andando juntos à força...

Passaram em frente a um espaço cultural, já perto do começo da avenida, no Paraíso. Ela disse que deviam ir ali qualquer dia “isto é, se a gente voltar a se ver” pelas suas próprias palavras.

- Pronto, estamos no começo. E agora voltamos pelo outro sentido?

- Isso mesmo garoto, está aprendendo...

Atravessaram a rua. Passaram ambos alguns cinco minutos calados, talvez em pensamentos próprios.

- Sabe de uma coisa interessante? –perguntou ele como se esquecesse quem estava com ele-

- Diga, mudinho. –respondeu lhe fazendo lembrar-se disso...

- Ah, esquece! Tudo pra você é piada não é mesmo? –demonstrando novamente estar contrariado-

- Ahh quanto drama. Estou interessada, diga, sim? –tocando de leve o braço dele, no primeiro sinal gentil daquela noite-

Fazendo uma pequena pausa ele retomou:

- Eu tenho dificuldade de andar aqui.

- Por quê?

- Porque é uma avenida larga, enorme. Eu vivo de tirar fotos né, então eu olho pra todos os cantos. Mas aqui eu tenho que olhar pro lado, pra cima, pro outro lado, tudo ao mesmo tempo. As imagens se misturam, bagunça tudo...

- Os pensamentos também? –respondeu ela-

- Como assim?

- Oras, é como sua câmera. As imagens vêm, passam por uma lente e sai o resultado final, a foto.

- Humm.

- Isso mostra que você não é uma máquina que capta algo e emite um relatório pronto, perfeito na hora. Tem que pensar a respeito do que vê, às vezes pode ver milhões de vezes e ainda assim não conseguir dizer por que gosta ou não gosta daquilo.

- Impressão minha ou você filosofou agora? –desta vez ele que deu a tirada sobre o que ela disse-

- Hahah, sim, talvez. De Filósofo e louco a essa hora todo mundo tem um pouco né? Aliás, que horas são?

- 21h15min.

- Estamos aqui há uns 40 minutos, é isso?

- Basicamente. A não ser que os últimos 38 de patadas e ironias não contem... –disse, fazendo-a rir como até então não havia feito.

Passaram alguns minutos apenas comentando os tipos estranhos que viam, e seus modos de se vestirem. Sábado à noite na maior e mais fervilhante avenida da cidade, e estavam num encontro que não se podia definir o que era, e aonde daria.

Talvez sem notarem, iam engatando pequenas conversas. Ele lhe perguntava sobre o trabalho dela, e ela sobre as fotografias dele. “Já fiz um evento aqui, e ali, e ali...” dizia ele, até ela cortar o que estava falando para apontar alguma coisa e fazer um comentário ácido ou humorado. Ele começava a se acostumar. “Com você do lado eu tenho que falar frases de 140 caracteres...” disse ironicamente a ela, que percebendo o trocadilho riu bastante. “Você vê uma imagem e clica, mudo, observando. A minha forma de observar é falando!”, disse ela, reforçando a diferença. “Ok, mas não precisa apontar né...”

Passaram em frente ao ponto de partida, o estacionamento. Ela apontou para o carro dele e disse “Se quiser fugir ainda dá tempo, hein? Daqui até o fim da avenida você pode ficar em perigo!”. “Perigo...”, gracejou ele. “Com esse tamanho todo?..”. [Apesar dela não ser exatamente baixa, e sim ele alto]. Após isso ela deu-lhe um beliscão que deve ter doído...

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