terça-feira, 18 de setembro de 2007

Desmemórias- capítulo 04

Ele esperava pela consulta no oculista. Vez ou outra sempre encontrava uma desculpa para ver o ex amigo de colégio, lhe perguntar sobre as cirurgias corretivas, os óculos novos... Mas na verdade eram mesmo desculpas. Ele ia lá, já há alguns meses, apenas para olhar a recepcionista/secretária. Tinha desenvolvido uma certa admiração por ela, bonita, de olhar bonito, mas com um algo mais indecifrável, engimático. E quão frustrante era algum desses dias em que passava por lá e não a encontrava, até decorar seu horário de trabalho. E ao cansarem, ambos, de trocas de olhares que eram como pontadas no coração, decidiu-se por esperá-la sair do consultório um certo dia.
A feição dela não era de surpresa. Talvez esperasse por isso, talvez quisesse ter feito algo mais para que ele entendesse sua mensagem. Mas não podia mais do que lançar seu olhar fixo e profundo, esperando dele uma palavra, uma atitude.
O rosto dela lhe povoou a mente por alguns dia. Aqueles cabelos caídos minuciosamente sobre os olhos, a pele branca, alva. Alguns dias com o cabelo solto, era a visão de seu dia.
Pensava nisso enquanto a esperava em frente ao estacionamento da clínica. Abordou-a, conversaram. Veio a carona, o café no barzinho, o jantar. E então, as baladas, as trocas de confidências, o 'relacionamento' estava montado. Tudo ao longo de vários meses, muito bem aproveitados por ambos. Se davam bem, viam-se duas ou três vezes por semana, dependendo de suas ocupações. Ele um freelancer em fotojornalismo, ela fazendo faculdade e trabalhando para pagá-la. Era o 'começo' de algo, nenhum dos dois se preocupava em aonde iria dar.

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Deitado na areia ele lembrava de quando haviam se conhecido, dos dias em que ele ia ao consultório apenas para vê-la, sem ao menos contar para o seu amigo, patrão dela.
Pensava, sem saber por quê, no começo deles. Incomodava-lhe o fato de terem brigado, mas ele tinha uma leve impressão de que ainda poderiam resgatar o que tiveram antes. Tentava imaginar como lembrando de quando se conheceram. Ao sair do apartamento dela, na noite anterior, pegou o carro e desceu logo em seguida para a praia. Um 'apertamento' que conservava lá a duras penas, e que fôra muito frequentado quando o romance ainda era novo, mesmo sendo eles 'liberais', como gostavam de chamar.
Tinha quase uma certeza de que qualquer relacionamento que tivesse seria assim, penoso, se perguntando freqüentemente se aquilo que eles tinham não seria, de fato, o melhor e mais verdadeiro posssível.
Cansara de pensar. Sabia que não poderia ligar, depois da discussão de ontem. Também não queria ligar. Resolveu ficar o dia na praia, tentar pegar algumas ondas, limpar a mente para voltar com o espírito renovado para a conversa que teriam. Seria a última?

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